terça-feira, 21 de junho de 2016

Não sei escrever - 01/12/2005 01:40

Não sei escrever
Como se deve dizer
Com palavras escritas
Palavras bonitas

Em versos e verões
Severas, se verão as multidões
Na escuridão de um triunfo
O trunfo

Digo tudo sem falar
Escrevo poucas cabeças
Palavras e recompensas
Suor e sangue, nenhum altar

Nenhuma promessa
Apostas vãs em verbos sem tempo
Um poema é sempre um momento
A glória que não acaba, não começa

Não sei escrever porque não aprendi
Apenas soou estranho o que vivo e vivi
O que vi e o que sonhei
Chorei, caí, levantei

Comecei a lutar
Voltei a chorar e tentei...
Cantei os amores distantes
As constantes dores do verbo amar

Falar de amor
Sem pensar em dor
Como fazer?
Como não jazer?

Num lindo dia, fugirei, e antes, direi
Os versos que sonhei em dizer
Mas ainda não ousei
Não sei escrever

Não sou poeta de falar bonito, não...
Que a Lua faz surgir o mundo infinito
O mundo das melodias soltas no ar
Mas que se cruzam num momento belo, singular

Tão vivo, tão sublime!
Que as coisas da vida sejam assim!
Que a vida seja um poema sem narrador
Um amor como somente ele mesmo se exime

Da culpa de sonhar
Um monumento permanente
Concreto, repleto como eu queria
A fantasia, como eu queria!

Não sei escrever por não saber
Que estou em comunhão sagrada
Do fazer e pensar, uma visão
Um coração que voa na noite enluarada

E saber o que dizer
Não é saber escrever
Não é ocultar a doce lembrança
É ter em que apostar tudo quanto se pode

Esperar com confiança
Esperança de ver, tocar
Sentir a língua no coração
A emoção redigida

Em linhas de paz
A alma jaz acordada
No empenho da guerra
No sangue guardado jamais

Há mais de onde isso veio
O espírito é infinito enquanto voa
Demais, o controle é o receio
O anseio da mente em viver a toa

Atordoado
Confuso
Rebelo o amontoado
De paixões esquecidas num discurso

De perdas eternas
Repetições eternas
Feridas eternas
Da vida triste eterna

Não sei como escrever
Angústia, enquanto me corrompa
Perdão por querer
A dúvida do poder, a afronta

Interrompa meu dizer
Calado
Como a serpente em dia de ventania
Como alguém me queria...

Como alguém há de reagir
Há de criar, sumir
Regressar, reassumir
Amar, cantar, fugir

Vou dizer sem escrever
O que quero dizer
Porque não sei escrever
O que sempre tentei fazer

Tentei amar e não soube entender
Tentei brigar por querer
Sem querer, tentei me machucar
Mas entre amar e escrever

Prefiro ficar esperando
O quando, o momento
De arrepender... Não!
O amor vem cantando...

E falando as línguas esquecidas
Por homens que não sabem escrever
Sabem ler o que há para se ver
Línguas de fogo em páginas invertidas

Tolos com penas nas mãos
Apenas as mãos dançam com palavras
Ingratas por não dizerem o que vem sem explicação
O que vêem não é coração

Não sei escrever assim
Não vou rir de mim
Não vou pensar que sou o que não sou
Porque sempre que penso, sou mais que isso que sou

Sou mais verdadeiro, mais bonito
Mais correto, mais sincero o ímpeto
No peito, cicatrizes e medalhas
Orações e migalhas, límpido instante

Ínfimo, constante, atraente
Contudo, sempre distante
Mas escrevo só quando consistente
For a idéia do amor enquanto assim for

Enquanto conclamar o vício
Solícito para o pensamento
De repulsa em fugir ao tema
Pulsa o pulso, na alma: lama e sentimento

Um show com gosto melancólico
Do ódio, das odes às Deusas
Dos emaranhados cúmplices do desejo
Um beijo alcoólico

Não posso mais escrever
Porque a tristeza é uma armadilha
Uma companhia, um evento
Um vento cortante vem reviver

O instante da saudade
Quanto de maldade há num sorriso?
Um belo riso do tempo, escondido
Um abraço na lembrança

Esperar novamente
Pela conquista do espaço
No laço, no anel permanente
Da aliança das vontades do acaso

O vento
Amanhece
O momento
Acontece

Florece
Amolece
Recomece
Adoece

Morre e ainda vive
Como a semente
Somente no seio
Corre, pula, reage

Na lâmina do vilão sempre há sangue raro
Caro, sobrevivente na vertente do tempo
Ósculo da morte quente
Envenena-se com vinho fresco e tempero de canalha

A vantagem de quem sabe escrever
Contar, o que se quer e não o que se deve
A neve branca que é vermelha
O sino do lamento ao povo com prazer!

Vou escrever até a hora que não mais
Poder querer, o sonhar do querer
Voraz atração de compor
Arremeter o coração até o minuto que jaz

Atrás vai, sempre vai
A ilusão sempre trás
O vento sempre corre
Para o alto nunca morre

Nunca se esconde ou tenta matar
Ou finge se enjoar
De tudo quanto for nobre
O valente contentamento esnobe

Uma vontade imensa
Um pensar demais desgastado
Desgostoso no corpo do chamado
A vontade mais intensa

De falar e escrever
Ficar e esquecer
Adoecer, morrer
E jamais amar

Jamais retornar ao lar
O luar
O mar, que me beija os pés
A brisa que cobre o corpo

O rosto sedutor regado às marés
O calor, o sabor de contar
As delícias vívidas
As maravilhas de outro lugar

E por assim dizer
Triste é a vida do cantor
Harmonias repletas de prazer e dor
Cantando o choro do dia amanhecer

E como não quero mais escrever
Vou dizer que já não sei mais contar
Não sei mais como falar
Minha vida se vai quando não mais dizer

Quando não mais sonhar
Que um dia disse tudo que devia
Ou não devia aos deuses explanar
Minha dor, minha perda por achar

Menor tudo que disse
Tudo que faço por assim pensar
Por tudo que amei e tudo que existe
E meu nome, meu amor jamais chamar

Não direi nada à criança que partiu
Esperando que retorne
Retome sua lembrança do tempo que sumiu
Que conduziu o santo dizer em meu nome.

Não sei o que seria
Não sei o que me falta
Não sei mais o que falar
Só sei que este é o meu lugar.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

fragmentos de um diálogo íntimo II

- o que você tá fazendo aqui?
- trabalhando
- eu sei, mas nisso?
- todos dizem: todo mundo precisa trabalhar. e estão certos...
- é verdade. mas é chato esse trabalho né?
- o segredo é você tentar deixar legal.
- hum...não seria mais fácil encontrar algo que você goste muito de fazer?
- não, esse é o mais difícil.
- por quê?
- porque o nome disso é sonho e trata-se de uma parada complicadíssima.
- eu sei
- sabe como?
- uma parte de mim gostaria de viver de escrever, outra queria ter sido jogador de basquete e outra caiu na asneira de experimentar teatro!
- puxa, aconteceu a mesma coisa comigo
- você conseguiu viver disso?
- por um curto tempo
- e como se livrou da frustração?
- trabalhando.
- no que?
- em qualquer coisa, só pra aliviar a mente e se sentir um pouco menos inútil
- mas não era o que você queria? tipo, o seu sonho?
- não.
- e como fez?
- tentei deixar a coisa legal.
- ah.

Espectros

minha cabeça pesa  10 mil litros de vertigens uma tonelada de aborrecimentos arquivados  vinte campos de futebol de fantasias um casamento, ...